quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Impressionante

Escrever num blog não é muito diferente de meter uma mensagem numa garrafa e deitá-la ao mar para que alguém a encontre. Ninguém escreve para não ser lido. Mesmo quem esconde o diário na gaveta fechada à chave, tem, lá no fundo, a secreta esperança de que um dia lhe rebentem com a fechadura e lhe devassem as privacidades. Senão, porque escrevê-las? Nem às paredes confesso? Em letra de forma? Não acredito.

Um blog tem um acordo prévio com os leitores. Como tudo o que se escreve. E filma, e canta. A primeira cláusula desse acordo é o nome do autor. Quem o conhece sabe do que ele é capaz, sabe os riscos que corre ao lê-lo, e que pode, até, tirar algum prazer do acto. É portanto uma questão de empatia, anterior, ou não, ao nascimento do blog.
Outra cláusula será a qualidade do discurso de sensibilização dos afectos do leitor, não só no que se conta, como na forma de o fazer. Ninguém lê, vai ver um filme ou uma exposição de arte, ou ouve música, sem desejar ser mexido e remexido emocionalmente. Qualquer destas experiências transforma o leitor/espectador, que não pode ser o mesmo, no momento seguinte: qualquer nova incorporação põe em questão os equilíbrios anteriormente conquistados. E se assim não fôr, mais vale estar quieto. Tanto o autor, como o leitor/espectador.
Lemos, vemos filmes, ouvimos música, para termos as experiências sensoriais que não podemos viver. Para isso, a obra tem de atingir o nosso olhar/ouvido com inesperado fulgor, como um raio que funde obra e espectador/leitor numa nova forma de estar na vida, com o sentido e valores necessários para nos permitir continuar...

Este é o mundo da palavra, onde nos movemos diariamente sem grande esforço, mas que nem por isso nos exige menos rigor: a escolha do verbo exacto, do sentido bem fomulado, da subtileza que dá conta da nuance, ou mesmo do óbvio que, por contraste, nos pode fazer rir. Porque vivemos uma realidade manipulada, mascarada, onde muitas coisas podem desaparecer na premência dos objectivos, na cegueira da falta de informação, o autor tem a função fundamental de nos fazer ver. E sem querer colocar aqui o manto diáfano da fantasia contra a nudez forte da verdade, o que se esconde e o que se revela são faces da mesma moeda: do que nos impressiona e pode impressionar os outros.

Impressionar: deixar uma marca indelével. Comover.

O dia até lhe estava a correr bem. Depois, o despertador tocou...

Motivação, conflito, (re)solução: o que nos move, como nos debatemos para levar a água ao nosso moínho e como as coisas ficam, depois, sempre diferentes do que estavam. Se não mudarem, não vale a pena. Nem viver, nem contar. Tanto as nossas como as dos outros.

Saiu de casa a bater com a porta. Desta, não volto, num fio de voz quebrada por mais uma discussão que começara à hora do jantar.

Elipse: omissão de uma ou mais palavras que se subentendem. Pisou no acelerador para que o ronco do motor abafasse qualquer veleidade de pensamento. Ignorou os semáforos da Prudente de Morais, e depois os da Visconde de Pirajá, ninguém anda na rua a esta hora, e chegou à Lagoa. O piso húmido poderia ser desmotivador, mas nem um farol à vista num raio de ... num raio anatómico (relativo à estrutura do nosso corpo; à escala humana).
Eram tantas, as esperanças. Mas quando não se vestem as roupas adequadas e só se dizem as coisas erradas, antes de darmos por isso, já não dá para dizer o que foi a nossa vida, quais foram os nossos erros. Vai um carro ali à frente.

Metáfora: a parte pelo todo. Duas luzinhas vermelhas suspensas na noite, a meio metro do asfalto: um carro que circula à nossa frente. Que pena que não sejas para quem eu corro, mesmo que estejam paradas. Mesmo que estejam fora do eixo da via, mais vale levantar o pé.

O carro estava enfaixado numa árvore, com o radiador ainda fumegante a abraçar o tronco. Da árvore. O do condutor estava esmagado contra o volante e sabe-se lá até onde fora a coluna da direcção, dado o muito sangue empastado, ainda vivo, a reflectir a rara luz pública... E nada. Só o silvo da água quente a esguichar do radiador roto.
Depois, o toque de um telemóvel, a luz do écran a brilhar, ali, no meio dos pés presos na lataria retorcida. Antes do cérebro perceber o que a mão fazia, carregou na tecla verde e encostou o aparelho ao ouvido.

Amor, desculpa. Volta para casa. Gosto muito de ti...

7 comentários:

Cristina Rodo disse...

Até que o post tinha começado bem, mas... que horror ZP... não tens nenhuma história menos deprimente para partilhar connosco?! Arrgggghhh!
Cruzes credo... a
Apesar de, na minha opinião, muito bem escrita, não passa, também na minha opinião, uma mensagem muito positiva...
Ou pelo menos não faz as pessoas sentirem-se bem... Mexe-lhes com as emoções mas com as erradas, na minha opinião, com as que fazem sofrer...
Romântico como és não nos queres contar antes uma história de amor que não acabe numa arvore? ;)

ZPedro disse...

:-) Há emoções erradas? Ou estás só a pensar no gajo que acabou na árvore? Então e o que atendeu o telefone? Como é que achas que ele ficou? Não queres escrever o epílogo?

Kiki disse...

Impressionou-me, comoveu-me, mas deprimiu-me, ou seja, mexeu com emoções vivida há poucos anos.
Mas como não há bela sem senão, muito bem escrito.
Tens razão,um blog não é mais do que um diário, como quase toda a gente teve , tem e alguns ainda mantêm.
Forma de nos exprimir quando não o conseguimos ou podemos fazer de viva voz, e sabermos que alguém, por mais desconhecido que seja, nos irá ler, opinar, e talvez fazer mudar a ideia que temos de nós próprios.
Next..............

Anónimo disse...

Sim, quem escreve num blog é para ser lido, estou de acordo, assim como quem escreve um texto para um jornal,um livro ou um guião para ser visto (lido com os olhos).
Mas quem escreve um diário pode não ter essa finalidade, nem mesmo esse desejo latente.
A escrita serve muita vezes como auxiliar de um diálogo interior, facilitador do mesmo, que ajude a pensar o que se pensa.
Há quem fale sem se ouvir e que verdadeiramente nem saiba o que disse.
A escrita e a leitura da mesma obriga-nos a pensar sobre, confronta-nos com os nossos pensamentos, que podem depois ser alimentados e transformados. Talvez por isso tanta gente em sofrimento escreve.
Mas também como escrever pode dar tanto sofrimento.
Gosto sempre de te ler.

Mac disse...

Pois é, escrevemos para que nos leiam. Mas há sempre um jardim secreto, que dificilmente será dado a conhecer nestas andanças.

O grau de exposição depende de cada um e é subjectivo...

Gosto de te ler, se bem que há ali umas coisas que me tocam de mais na carne e na alma.

Beijos

Vera Santana disse...

Amo palavras ...

Vera Santana disse...

Porque fala de pedras de calçada e de sentimentos, aqui to deixo:

Pedras da Calçada
(letra de Jorge Palma / música de Paulo Gonzo e Luís Oliveira)
O suspeito foi calado
Não tendo as provas na mão
Não sabemos por que fado
Estando longe dele, então
Não teve companhia,
E nem reclamar ninguém,
Não chegou a ser refém,
Esteve ausente por um dia.
É nas pedras da calçada,
Que a canção nos sai melhor,
É nas pedras da calçada,
Que o desejo abafa a dor
Ofereceste-me uma rosa,
Quanto vale ao fim da vida?
Vale a voz silenciosa,
Vale a testa adormecida.
É nas pedras da calçada,
Que a canção nos sai melhor,
É nas pedras da calçada,
Que o desejo abafa a dor.