(Cate Blanchett, aliás Coronel Dra Irina Spalko, em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal)
A história do Brasil acompanha, na sua quase totalidade, a história de Portugal. Os primeiros escritos brasileiros são de autores portugueses e até há bem pouco tempo, qualquer emigrante que regressasse do Brasil à terrinha, era um "brasileiro".
O português é fruto de múltiplas miscigenações. Mas quando as fronteiras europeias se definiram e fecharam, os portugueses foram continuar essa saga (a da miscigenação) para a América do sul. Quem diz que o Brasil é a pátria da miscigenação nunca olhou para as origens de Portugal. A causa fundamental da mistura de raças no Brasil é só uma: o português.
Parecendo politicamente correcto, muitos brasileiros criticam a colonização portuguesa e, até, numa tentativa de a desvalorizar, choram a efémera colonização holandesa lá no cantinho do nordeste. É compreensível. Os holandeses tentaram uma colonização corporativa, empresarial, com o lucro como único objectivo. Afinal, a Companhia das Índias Ocidentais de Guilherme de Nassau, era uma sociedade cotada na bolsa e o accionistas não eram beneméritos. Como bons protestantes, montaram uma gestão criteriosa, nas antípodas da gestão crioula, e não se deixaram contaminar por bebedeiras tropicais. O português é permeável a todas as contaminações. E se não for ele, é o filho dele, o neto ou o bisneto, ao contrário da fábula do lobo e do cordeiro. Como em Trás-os-Montes (para lá do Marão), mandam os que lá estão! Não terá sido por acaso que foram os crioulos, caboclos, índios (que os portugueses não chegariam lá a tempo) que empurraram os holandeses para o mar, de regresso a casa. Em nome da Coroa: preferiram os portugueses!
Quem quiser entender a diferença entre a colonização feita por católicos e a de origem protestante, basta atentar nas diferenças das Américas, a do norte e a do sul. Ao católico era vedado o negócio, o agio, a busca do lucro. Isso era deixado para os judeus. O católico tem a congregação toda a vigiá-lo. O protestante está só perante o seu deus e só a ele presta contas.
Júlio César, conquistador da Gália e da Ibéria, escreveu que os Lusitanos eram um povo que não sabia, nem se deixava governar. Esse legado está vivo no Brasil, muito bem retratado no Samba do Crioulo Doido:
O bode que deu,
Vou te contar...
Ao reler-me, dá a sensação que estou a glorificar o granel, a desbunda, numa palavra brasileira: a esculhambação. Acho que não é isso. Ser português é, muitas vezes, ter uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada. Claro que isto está a mudar. Estamos a ser colonizados, a grande velocidade, pelo método europeu, depois de termos sido contaminados pelo cinema e televisão norte americanos. Apesar de eu achar que não é possível conhecer tudo, acho que se conhecermos alguma coisa, podemos ter conhecimento de tudo.
Ser português tem sido, sobretudo, cultivar o empírico contra a ditadura da rotina. Na falta do conhecimento, o português é criativo. E assim vamos nós, de ruptura em ruptura, já que qualquer novo conhecimento provoca desincorporações e novas integrações; admirados pelas descobertas que vamos fazendo, já que a programação não é uma arte portuguesa. Tudo bem: a perplexidade é um grande motor do conhecimento. Acho que vamos por outro caminho, mas acredito que chegaremos lá.
Leonardo da Vinci escreveu que "o conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice." Não quero comentar isto. Só quero deixá-lo para digestão lenta.