terça-feira, 27 de julho de 2010

Silly Season



O céu está azul, sem uma nuvem no horizonte. A brisa marítima leva a poluição, e ameniza qualquer veleidade de canícula. O mar rebenta (rebenta?) na areia, só ali onde se molham os artelhos. A agulha do barómetro nem treme, em bom tempo fixo. 
Vamos falar de quê? 

Se alguma coisa houvesse para aprender com o equilíbrio das temperaturas interna e externa do corpo, com o subtil enchimento de uma ligeira depressão atmosférica, com um ar desprovido de monóxidos vários, escritores e cineastas não se dariam ao trabalho de inventar enredos cabeludos, motivações estrambólicas, conflitos mortais. Ficariam, aliás, sem trabalho.

Não se situa uma cena de filme sob um céu de anil, a não ser na imensidão ondulante das dunas do deserto, nos canais secos de Los Angeles, ou na catinga da seca nordestina. O sol tem de ser abrasador, o calor tem de ser sufocante, o vento tem de trazer areia, o fumo dos incêndios de verão, o trovejar das ondas descontroladas, a rolar, toda a noite, nas rochas ocas das furnas. Ou o cheiro nauseabundo da laguna. Sem isso não há drama. 

Até quando batem leve, levemente, pois se há pouco, há poucochinho, nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho, se não é chuva, nem é gente, é para se ficar preocupado, certamente. Sem esta tensão (suspense) de entrada, quem ligava ao Augusto Gil?

Sem drama não há história, notícia, ou conversa. Não se gasta tempo, e dinheiro, numa cena em que não acontece nada. Gente feliz não existe na ficção, ou na comunicação social, em geral, a não ser para provocar inveja. Aí, sim: já temos drama!

Falamos de quê?

terça-feira, 20 de julho de 2010

Allez, allez!

102º Fahrenheit. O papel queima a 451, a clara do ovo frita a 153, e a gema a 172, o que torna possível estrelar um ovo em papel, antes deste arder. Pelo que sinto, não é preciso tanto para fritar mioleira.

Nestes dias de canícula, além de uma geladinha, de vez em quando, o que mais falta são T.shirts de algodão fino para empapar a transpiração. 3 por 5 euros. Mas, por toda a Beira Alta, parece que a única roupa que se consegue comprar é a de cerimónia: para noivas, noivos, padrinhos, damas de honor, pais da noiva... É um desafio à lógica: colarinhos apertados, saias a arrastar pelo chão, casacas de abas de grilo. Ah, e coletes. A indústria do casório não vai de férias, no verão. Quem vem de férias, são os emigrantes. E é por isso que é agora que se juntam as courelas, e resolvem as alianças de família, quando estas se reunem, uma vez por ano.

As ruas abarrotam de Renaults, Peugeots e Citroens de matrículas francesas, suíças e alemãs. Onde houver um espaço, nem que seja dentro das muralhas do castelo, montam-se as tendas para os copos de água, em sessões contínuas. O estrado para a música é sempre o mesmo: por aqui desfilam todos os aspirantes a Quim Barreiros, porque o som preferido é o do bacalhau com alho, espécie de receita regional para a boa disposição.

A gente vai entrando, por entre o pessoal em delírio, a despedir-se do casalinho. Salada de orelha, azeitonas, pão de centeio, pastéis de bacalhau já frios... O tintol é carrascão genuíno, com aroma indisfarçável a bagaço. 
Por entre as lágrimas que vai limpando com as costas da mão, a megera não se deixa enganar pelos nossos calções Columbia e as sapatilhas poeirentas. As T.shirts também já estiveram mais frescas, logo de manhã.
Vous êtes des amis à Pascal? Responde-se "hum, hum" com um ligeiro maneio de cabeça, que é sinal de assentimento universal. Até porque o pastel de bacalhau ainda enrola na boca.
Ó Manel, estes são lá de Aubervilliers. Allez, allez, traz o Champagne. O verdadeiro!
Partindo do princípio que Pascal é o noivo que acabou de se evadir deste carnaval, com ar de gringos e um francês impec, já somos amigos de infância. Chega o Taittinger, gelado, e mais dois pratos de cozido, ainda quente. 
Se os restos hão-de ir para os porcos...