sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Saber das coisas

Eu sei coisas. E sei antes de toda a gente. E o que não sei, vou descobrir.
(Cate Blanchett, aliás Coronel Dra Irina Spalko, em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal)


Com os meios à disposição, hoje em dia, não há desculpa para não se saber das coisas. Basta haver curiosidade. Quem não sabe das coisas, tem de acreditar em tudo.
Eu acho que sempre soube, mas tardei a entender, que precisava de conhecer as minhas origens. Talvez por ter perdido o meu pai muito cedo. Para onde vou nunca me interessou muito. Mas de onde vim é um poço sem fundo de questões, umas mais complexas que outras. O Brasil, onde nunca me tinha interessado ir, foi uma enorme surpresa para mim. Eu pensava que o (pouco) que sabia me bastava. Engano profundo. Já o disse, e fiquei surpreendido por não estar só nessa crença, que é difícil saber o que é ser português sem passar umas temporadas no Brasil.
A história do Brasil acompanha, na sua quase totalidade, a história de Portugal. Os primeiros escritos brasileiros são de autores portugueses e até há bem pouco tempo, qualquer emigrante que regressasse do Brasil à terrinha, era um "brasileiro".
O português é fruto de múltiplas miscigenações. Mas quando as fronteiras europeias se definiram e fecharam, os portugueses foram continuar essa saga (a da miscigenação) para a América do sul. Quem diz que o Brasil é a pátria da miscigenação nunca olhou para as origens de Portugal. A causa fundamental da mistura de raças no Brasil é só uma: o português.
Parecendo politicamente correcto, muitos brasileiros criticam a colonização portuguesa e, até, numa tentativa de a desvalorizar, choram a efémera colonização holandesa lá no cantinho do nordeste. É compreensível. Os holandeses tentaram uma colonização corporativa, empresarial, com o lucro como único objectivo. Afinal, a Companhia das Índias Ocidentais de Guilherme de Nassau, era uma sociedade cotada na bolsa e o accionistas não eram beneméritos. Como bons protestantes, montaram uma gestão criteriosa, nas antípodas da gestão crioula, e não se deixaram contaminar por bebedeiras tropicais. O português é permeável a todas as contaminações. E se não for ele, é o filho dele, o neto ou o bisneto, ao contrário da fábula do lobo e do cordeiro. Como em Trás-os-Montes (para lá do Marão), mandam os que lá estão! Não terá sido por acaso que foram os crioulos, caboclos, índios (que os portugueses não chegariam lá a tempo) que empurraram os holandeses para o mar, de regresso a casa. Em nome da Coroa: preferiram os portugueses!
Quem quiser entender a diferença entre a colonização feita por católicos e a de origem protestante, basta atentar nas diferenças das Américas, a do norte e a do sul. Ao católico era vedado o negócio, o agio, a busca do lucro. Isso era deixado para os judeus. O católico tem a congregação toda a vigiá-lo. O protestante está só perante o seu deus e só a ele presta contas.
Júlio César, conquistador da Gália e da Ibéria, escreveu que os Lusitanos eram um povo que não sabia, nem se deixava governar. Esse legado está vivo no Brasil, muito bem retratado no Samba do Crioulo Doido:

O bode que deu,
Vou te contar...

Ao reler-me, dá a sensação que estou a glorificar o granel, a desbunda, numa palavra brasileira: a esculhambação. Acho que não é isso. Ser português é, muitas vezes, ter uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada. Claro que isto está a mudar. Estamos a ser colonizados, a grande velocidade, pelo método europeu, depois de termos sido contaminados pelo cinema e televisão norte americanos. Apesar de eu achar que não é possível conhecer tudo, acho que se conhecermos alguma coisa, podemos ter conhecimento de tudo.
Ser português tem sido, sobretudo, cultivar o empírico contra a ditadura da rotina. Na falta do conhecimento, o português é criativo. E assim vamos nós, de ruptura em ruptura, já que qualquer novo conhecimento provoca desincorporações e novas integrações; admirados pelas descobertas que vamos fazendo, já que a programação não é uma arte portuguesa. Tudo bem: a perplexidade é um grande motor do conhecimento. Acho que vamos por outro caminho, mas acredito que chegaremos lá.

Leonardo da Vinci escreveu que "o conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice." Não quero comentar isto. Só quero deixá-lo para digestão lenta.

1 comentário:

Cristina Rodo disse...

Não vou opinar sobre um assunto que desconheço... mas gostei de ler... ;)