sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Um restaurante sem clientes
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Foi por bem
terça-feira, 27 de julho de 2010
Silly Season
terça-feira, 20 de julho de 2010
Allez, allez!
Vous êtes des amis à Pascal? Responde-se "hum, hum" com um ligeiro maneio de cabeça, que é sinal de assentimento universal. Até porque o pastel de bacalhau ainda enrola na boca.
terça-feira, 29 de junho de 2010
Vida de artista
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Da utilidade das efemérides. E dos mitos!
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Arte e prestidigitação
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
A vida dos outros
E um filme pode ser "ideal" de muitas maneiras: ou porque a história está bem contada, ou porque o espectáculo montado me faz esquecer tudo o resto. Ou os dois, em conjunto.
Parto sempre para os filmes em estado de suspensão de credulidade, como é de regra: estou sempre pronto a aceitar o novo mundo que o realizador me apresenta, e, se ele me quiser convencer de que os animais falam, eu acredito. E vou acreditando enquanto não houver uma solução de facilidade, um truque manhoso, ou uma cedência a qualquer moda imposta pela indústria ou pelo comércio. A partir daí, a credulidade acabou. Vou contando os erros, estou mesmo à espera deles. E já não é de um espectáculo que se trata, mas de uma competição: sou, ou não sou mais esperto do que ele? Eu acho que esta, também é uma forma de gostar de cinema: a aprender com os erros dos outros.
O que me levou aqui a falar de cinema, foi ter começado a ver um filme chamado Nine. Digo começado, porque após os primeiros minutos parei de ver. Na minha distracção, não sabia que tinha sido feito um filme inspirado no musical da Broadway, por sua vez inspirado no 8 ½ de Fellini. Tudo o que sabia é que ia ver um filme com argumento de Anthony Minghella (O Paciente Inglês, Cold Mountain, Breaking and Entering), um realizador muito prometedor que morreu cedo demais.
Apesar de ser a cores, o filme abre com uma cena a preto e branco, e logo ali aparece 8 ½, não há nada escondido: Daniel Day-Lewis a fazer de Marcello Mastroianni, que faz de Fellini. Um actor inglês a falar a sua língua materna, com o sotaque do actor italiano, que fala inglês. A composição da imagem não deixa dúvidas, e o guarda-roupa é passado a papel químico. Nem poderia deixar de ser, já que 8 ½ ganhou o óscar de melhor guarda-roupa: um filme que conta a história de outro filme, teria de respeitar esse contexto historico.
8 ½ é o perfeito filme de ficção: ao retratar um mundo que existe na realidade, ele escapa dessa realidade e entra, por portas e travessas, naquela fuga de Guido atravé de Roma, a Roma das noites frenéticas e madrugadas vibrantes, numa nova realidade composta pelos sonhos e fantasmas de Guido. Os sonhos nunca chocam de frente com a realidade, mas são diferentes. E a fuga tem a ver com aquilo que a realidade espera de Guido, mas que ele duvida que lhe consiga dar. É, portanto, um filme eminentemente autobiográfico, em que Fellini se encena a si próprio no corpo e imagem de Marcello Mastroianni. E autobiográfico como um currículo, onde se enaltecem umas coisas, e se omitem outras: já estamos no domínio da ficção. É a construção de uma identidade que não existe na realidade. Somos aquilo que fazemos. E há quem diga que somos tão bons quanto a última coisa que fizemos. Mas podemos sempre dar a ver, aos outros, uma imagem diferente daquela que o espelho nos devolve.
E, sem desprimor para o filme Nine, que só verei depois (não faço a mínima ideia se presta ou não), eu parei, confuso, a pensar que direito (sem contexto jurídico) é que um qualquer realizador, escritor, compositor, usa as identidades, sonhos e fantasmas de outro qualquer? É que não se trata de uma variação sobre um tema de Fellini. Uma variação pega num tema, numa frase, numa melodia, e desenvolve-a, se o "variador" achar que tem alguma coisa a acrescentar àquela fonte de inspiração. Isto é velho como o mundo. Aqui, trata-se de uma coisa completamente diferente. 8 ½ poderia ser um monumento de pedra numa sala de museu. Podemos andar à volta dele, observar pormenores de mais perto, usar lupas, se for preciso, ver o que não tinhamos visto numa visita anterior, mas não lhe podemos acrescentar nada. Podemos pintá-lo, claro. Iluminá-lo de outra forma. Mas não lhe podemos colar um braço extra. Até podemos cortar qualquer coisa para o fazer caber em outros espaços. Mas isso já é uma amputação. Não é possível acrecentar, ou alterar seja o que for à visão que outro tem de si próprio, ou da sua própria vida. Os psicanalistas fazem-no, é verdade. Mas não cobram bilhetes.
Nine não pode ser uma revisitação de 8 ½, pois 8 ½ não é um local, nem uma época que possam ser frequentados. Então, é o quê? O que é que 8 ½ tem de imperfeito para que se sinta, hoje, vontade de o aperfeiçoar? E fica a pergunta da maior perplexidade: se 8 ½ é um produto vendável, porque não exibir o original, de vez em quando?
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
On nous prend pour des cons
A expressão de alguns sentimentos muito primários, sobretudo os mais virulentos, nem sempre encontra a melhor forma. A manifestação da indignação está estreitamente dependente da nossa educação, isto é, condicionada para não ferir a susceptibilidade dos outros. Eu acho isto fantástico: por esta ou aquela razão, sentimo-nos enganados, roubados, violentados, e a expressão da nossa indignação não deve ferir a susceptibilidade dos outros, sobretudo a do chico esperto que nos incomodou! Se houver melhor definição para brandos costumes, escrevam‑me, por favor.
Por outras palavras, a nossa reacção a uma acção que nos prejudica, não deve/pode estar à altura do referido acto; a nossa indignação não deve/pode extravazar os limites da boa educação e da decência, vide dos bons-costumes: não se deve/pode chamar ladrão a quem nos mete a mão no bolso; mentiroso, a quem nos afronta despudoradamente com factos manipulados; vigarista, a quem pretende alterar o sentido da nossa conversa/atitude... e assim por diante. Mas devo confessar que tenho a maior admiração por certos artistas que conseguem imputar-nos o ónus das próprias malfeitorias. A forma mais corrente de o fazerem é isolarem um facto que mais não fez do que provocar a saturação de atitudes repetidas, passando uma esponja sobre o passado, como se ele não existisse, como se ele não tivesse algum peso específico, e reduzindo o pomo da discórdia a um incidentezinho sem importância. É um facto que isto funciona para plateias desprevenidas. Lembro-me do proprietário de uma tabacaria onde costumava comprar cigarros, só porque era a mais próxima de casa, que, mais vezes do que seria razoável, não conseguia completar o troco: "desculpe, fico a dever-lhe cinco tostõezinhos". O que nos ficam a dever é sempre expresso com diminuitivo. Um dia, em que eu não devia estar no melhor dos humores, o homem quis ficar a dever-me um escudo. Respondi‑lhe que, com tantos tostões que ele já me devia, talvez fosse a minha vez de ficar a dever-lhe os cigarros. O que é que eu fui dizer!!! "Olhó pinderico! A discutir por um escudito! Onde é que já se viu!". Isto, em voz suficientemente alta para despertar a atenção de alguns amigos que conversavam à porta da loja. Evidentemente, eu não tinha uma declaração de dívida por todos os tostões que ele me sonegava nos trocos, portanto, a minha pretensão nunca procederia
on nous prend pour des cons!
Não sei explicar muito bem porquê, mas "querem comer-nos por parvos" não tem a mesma profundidade, a mesma virulência; parece mais sofismado; e é, parece-me, menos "injurioso". É, portanto, mais "brando". E é isso que esperam de nós: que sejamos mais brandos! A ditadura queria que fossemos brandos, que não exprimíssemos virulentamente a nossa indignação; isto é, nada de manifestações de rua a clamar slogans de protesto; nada de clamar contra as iniquidades do regime porque, quem reclama, ou é mal-criado, ou é comunista. Aos mal-criados, dá-se uns tabefes; os comunistas, trancafiam-se para não poluirem o bom ambiente. Dizer que sim sempre foi muito mais fácil do que dizer que não.
Dizer que não é muito complicado. Melhor, dizer que não tornou-se extremamente complicado.
Sempre achei que devia haver uma boa razão para não se ter feito uma revolução cívica da mentalidade dos portugueses. Com o fim da ditadura, houve todas as oportunidades para explicar às pessoas quais os seus direitos e quais os seus deveres. Essa campanha nunca foi feita. Havia uma imensa ganga de falsos critérios a povoar a mentalidade da maior parte dos portugueses. Um deles, era "comer e calar". Hoje, dá muito jeito. Não pretendo comparar coisas que não podem, nem devem ser comparadas: hoje, não impera a ditadura do silêncio, da manipulação dos factos, do medo de ficar sem emprego... Não? Bem, deixem-me por a coisa doutra maneira: hoje, ninguém vai preso por dizer mal do governo. Até porque toda a gente diz. Do silêncio passou-se à cacofonia, e o que se diz perdeu muito peso específico. As vozes da contradição não chegam ao céu. Por isso é que há uma comunicação mediada por profissionais: só os "técnicos" da política, da economia, da forma de dar as notícias, etc, é que têm espaço e tempo nos meios de comunicação social para chegar a todos os outros. São os especialistas. E é a opinião deles que "deve" influenciar a nossa forma de ver as coisas. Uniformizar. E quando uma opinião está uniformizada, bem podemos clamar do alto das torres sineiras que, entre outras coisas, o rei vai nu, que (quase) ninguém nos dispensará a menor atenção. E se dispensarem, é para chamarem a polícia.
Nesta conjuntura, não é difícil comerem-nos por parvos.
Toda a gente anda a tiritar, os gelos do Polo estão a consolidar-se, a temperatura do planeta pouco aumentou nos últimos 150 anos, mas parece que o aquecimento global vai dar cabo da gente: os combustíveis fósseis, cuja queima provoca efeito de estufa, não poderão mais ser queimados; vamos ter de migrar para combustíveis mais sofisticados, portanto, mais caros; as classes médias e baixas vão ter de apertar ainda mais o cinto; os países em vias de desenvolvimento não se poderão industrializar e ficarão cada vez mais devedores das grandes potências, em termos de energia e de produtos manufacturados.
E anda tudo acagaçado: com o fim do mundo, com pandemias de gripe, com a falta de liquidez... E quem anda acagaçado, dificilmente tem estamina para mandar vir. Nem para perguntar por que carga de água é que o metano, que provoca muito mais efeito de estufa do que a queima dos combustíveis fósseis, não é proscrito também, nem sequer é mencionado. É que o metano é produzido pelos peidos dos animais de criação que, depois, consumimos na forma de bife. Cortem-nos a carne e tereis uma revolução entre mãos, deve ser o que eles pensam.
On nous prend, vraiment, pour des cons.
Posto assim, até parece o estribilho de uma canção de Georges Brassens. Os franceses têm outra forma de reagir a certas contrariedades. Isto, traduzido à letra, seria “inaceitável”