segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A verdade da mentira

Acredito que um blog carregue muito de autobiográfico, e até acho impossível que isso não aconteça. No entanto, o exercício da biografia é algo de muito paradoxal. Quando nos revemos, no passado, nem que seja uma hora atrás, estamos a ver uma pessoa que já não é, numa situação que já passou. É praticamente impossível reconstruir uma realidade que já fugiu. Estamos, por isso, a rever uma construção: a que não tem, provavelmente, fotografias para o provar; e mesmo que tivesse, só contemplariam um único ângulo dessa realidade; que comporta cenários e figurantes de que não nos recordamos com a fidelidade indispensável; que faz parte de outro tempo, com outras verdades, outras éticas e outras morais. Não nos revemos à luz do que pensámos, na época, com outras motivações, impulsos e manias. A biografia é, portanto, um acto de ficção, uma "mentira", com uma reconstrução "moral" já que já vem carregada com um julgamento, com uma apreciação. Mas, como diz o mestre Wells, o "aldrabão" Orson, para contar uma boa mentira, é preciso envolvê-la em grandes doses de verdade. Só assim será credível. Tanto na forma, como no fundo.

Aceitando o desafio da Alexandra (Real Gana), aqui ficam 9 afirmações, das quais só 6 podem ser provadas. O exercício biográfico fica para as respostas. Um dia destes...

1. Fui de avião, para outro país, sem bilhete, sem passaporte, nem muda de roupa.

2. Estava eu a tentar forçar a janela do meu carro, estacionado no passeio, trancado com as chaves na ignição, quando pára outro ali ao lado. Saem dois senhores guardas... que me abriram o carro. Custou-me um grande obrigado. Sem perguntas!

3. Noutra viagem, fui para o outro lado do mundo, por mais de uma semana, e regressei a Lisboa com a mesma, e única, nota de 20 euros que levava no bolso, à partida.

4. Proibi, e com efeitos vinculativos, um líder parlamentar (português) de aparecer na televisão.

5. Fui preso 3 vezes (e mais umas duas ameaças) por desobediência e resistência à autoridade.

6. Num restaurante do Porto, um ex-presidente da república dirigiu-se a mim para me cumprimentar efusivamente.

7. Pintei (talvez seja mais, colori...) um álbum de banda desenhada, publicado durante 48 semanas, na revista do Tin-Tin.

8. Naufraguei, a menos de 100 metros da costa, à vista de outros barcos, que pescavam paulatinamente.

9. No meu primeiro Festival de Cannes (devia ter uns 21 anos), convenci os serviços de acreditação de que tinham perdido a minha (acreditação)... que nunca existiu.